Cristiano Ronaldo, sinônimo de profissionalismo no futebol há muito tempo, tornou-se também referência quando o tema é longevidade. E agora ultrapassa uma barreira icônica: nesta quarta-feira, o astro completa 40 anos, ainda atuando como atleta e consolidado como uma marca global.
Mais do que isso: CR7 alcança a marca não em melancólico clima de despedida, mas com sonhos a realizar, como fazer o gol 1.000 e participar da sexta Copa do Mundo da carreira. A evolução da medicina e do preparo físico nas últimas décadas tornou comum que atletas de alto rendimento consigam estender suas carreiras.
Porém, nem sempre isso significa seguir com números compatíveis com o auge do desempenho e estar envolvido em disputas importantes. CR7, que trocou as grandes ligas europeias pelo emergente Campeonato Saudita, vem conseguindo feitos notáveis.
Na temporada passada, por exemplo, ele voltou a superar a barreira dos 50 gols em um ano depois de cinco temporadas. E não apenas contando os gols marcados com a camisa do Al-Nassr, mas também apresentando grande impacto pela seleção portuguesa. Em 2023/24, foram sete bolas na rede em 12 jogos pelo time luso, apesar da conta vazia na Euro 2024.
Os números pelo Al-Nassr também são fora da curva na comparação com o histórico da própria liga saudita. Os 35 gols marcados no campeonato nacional em 31 rodadas representaram mais um recorde na galeria de Cristiano Ronaldo: foi a maior quantidade de gols marcados em uma só edição da competição. Ele ainda fez mais seis em nove rodadas da Champions League da Ásia, que dá vaga no Mundial de Clubes, e outros nove em copas nacionais.
Na temporada que está em andamento, o contador segue girando rápido. Cristiano Ronaldo anotou 28 gols nas 30 partidas que disputou em 2024/25. Foram 23 pelo Al-Nassr, pelo qual mais uma vez brilha no topo da artilharia da Liga Saudita, batendo nomes como Mitrovic, Benzema, Marcos Leonardo e Aubameyang. Pela seleção portuguesa, marcou cinco gols em cinco jogos pela Liga das Nações. Nada mau para um quarentão.
O auge de Cristiano Ronaldo ocorreu nos tempos de Real Madrid, pelo qual atuou por nove temporadas após explodir no Manchester United. Enquanto defendia o clube espanhol, o camisa 7 só não superou a marca dos 50 gols (somando clube e seleção) na temporada de estreia. Em três anos, chegou a passar das 60 bolas na rede, quando seu desempenho o alçou, junto com Messi, a um patamar praticamente inalcançável.
Ao completar 30 anos, em 2015, Cristiano dava mostras de que sua carreira iria longe e com papel de protagonismo. Foi depois dos 30 que ele conquistou a maior parte de suas cinco Champions, com o histórico tricampeonato entre 2016 e 2018 – sendo artilheiro nas três edições. Também veio depois dos 30 a grande glória com Portugal, na conquista da Eurocopa, em 2016 (além da Liga das Nações, dois anos depois).
– O Cristiano é um atleta totalmente fora da curva, porque vem fazendo muita coisa para prolongar a carreira. Não acredito que seja uma atitude que ele vai tomar agora, a partir dos 40 anos, que vai fazer com que ele aumente a sobrevida de performance no futebol. Na verdade, é todo o aspecto que vem criando ao longo dos anos, a rotina de recuperação, treinamentos, mental, que envolve não só o treino e o jogo, mas o todo. Alimentação, sono, hidratação. Ele sempre buscou e aliou a tecnologia para isso – analisa o fisioterapeuta Márcio Puglia, que trabalhou no Flamengo, é especialista em Ciência do Esporte e mestre em Ciências da Reabilitação.
Apesar de a curva de gols de CR7 ter apresentado uma queda após a saída do Real Madrid, em 2018, chama atenção o fato de ele ter marcado praticamente metade dos seus 923 gols após os 30 anos: foram 463 antes e 460 depois. O pior momento desde então veio no retorno ao Manchester United, no qual teve pouco destaque e viu seus números caírem abruptamente. Mas a aposta no Al-Nassr resultou em mais gols e um novo sonho para um dos grandes recordistas do esporte.
Contagem para o gol 1.000
Desde que Cristiano Ronaldo chegou aos 900 gols em partidas oficiais, em setembro, uma contagem regressiva começou entre os fãs do craque: ele poderia chegar ao histórico gol 1.000? A tarefa não é simples, ainda mais com o avanço da idade. Mas o desempenho em campo alimenta o sonho. Desde então, foram mais 23 gols em cinco meses, e agora faltam “apenas” 77.
O feito, alcançado por nomes como Pelé e Romário (cujas contagens vão além dos jogos considerados oficiais hoje), coroaria um dos grandes atacantes da história. Mas o português indica que não quer tratá-lo como obsessão.
– Eu sei que também sou culpado. Mas parece que estão desvalorizando o que estou fazendo. Este ano, estou fazendo muitos gols, gols bonitos, estou bem. E as pessoas não estão valorizando meu momento. “Ah, faltam 85 gols”. Não gosto disso, as coisas têm que acontecer de forma natural – disse em entrevista à TV “La Sexta”.
O Al-Nassr tem garantidas na atual temporada pelo menos mais 17 partidas – mas o número deve crescer se o time avançar na Champions da Ásia e nas copas nacionais. A seleção portuguesa, por sua vez, jogará a semifinal da Liga das Nações, em duas partidas, e ainda pode disputar a decisão. Assim, Cristiano deve ter pelo menos mais 20 jogos seguir balançando as redes em 2024/25.
– O que Cristiano Ronaldo faz hoje é impressionante, mesmo em contexto menos competitivo. Na temporada passada, foram 35 gols e 11 assistências em 32 jogos. Nesta, são 15 gols em 17 jogos. Vários outros craques passaram ou estão no futebol árabe, mas nenhum teve números como os dele. Porém, é muito difícil imaginar Ronaldo sendo novamente um fator de desequilíbrio no nível em que já esteve, como uma grande liga da Europa, por exemplo – analisa Pedro Moreno, comentarista do sportv.
Se mantiver a média de 0,93 gol por jogo até aqui, pode fechar a temporada na casa dos 940 gols. Difícil imaginar que o craque, obcecado por conquistas individuais e coletivas, deixe passar a chance de fazer o milésimo, após chegar tão perto. É complicar prever quando (ou se) virá o gol histórico, mas é ainda mais difícil imaginar que CR7 não tenha pelo menos mais uma temporada pela frente, de olho em outra marca.
A sexta Copa do Mundo
Quando Cristiano Ronaldo foi filmado deixando o gramado do estádio Al Thumama aos prantos, sozinho, após a eliminação de Portugal para o Marrocos, na Copa do Mundo de 2022, imaginou-se que aquela poderia ser a última cena do craque na história dos Mundiais. Mas os anos seguintes renovaram as esperanças de que ele esteja em campo em mais uma Copa do Mundo.
Há dois anos, parecia irreal imaginar que o astro poderia atuar por mais três anos e meio e chegar à sexta Copa do Mundo de sua carreira, aos 41 anos de idade. Ainda mais depois de um desempenho que chamou atenção negativamente no Catar. CR7 fez apenas um gol no Mundial de 2022, na estreia contra Gana, e depois passou em branco. Mais do que isso: perdeu a posição no time titular e tornou-se alvo de críticas como nunca antes em sua trajetória na seleção.
Na ocasião, ele se apresentou à seleção portuguesa após entrar em rota de colisão com o técnico Erik Ten Hag no United. Depois de entrevista na qual criticou treinador e diretoria, teve o contrato rescindido. Disputou a Copa sem clube e levou para o ambiente da seleção o noticiário conturbado e as indefinições sobre sua carreira. Quando não conseguiu render em campo, viu a imprensa portuguesa apontá-lo como um peso para o time, e não mais como um capitão e líder técnico. Chegou a ser barrado nas oitavas de final e só atuou 39 minutos na partida da eliminação portuguesa.
Em meio às dúvidas sobre o futuro do maior jogador da história da seleção lusa, a mudança de treinador também abriu um novo horizonte para CR7. A saída de Fernando Santos – de quem era amigo e se afastou após as polêmicas no Catar – abriu espaço para a chegada de Roberto Martínez. O espanhol apostou no veterano e o colocou como pilar de seu time.
O astro esteve em campo em 22 das 26 partidas de Portugal sob o comando de Martínez, desde o começo de 2023. E só não foi titular em duas oportunidades. Marcou 16 gols, mas passou em branco nas cinco partidas na Euro 2024. Ainda assim, foi apoiado por Martínez, que o manteve no time e viu o astro fazer cinco gols em cinco jogos da Nations League de lá para cá.
Assim, a um ano e meio do Mundial dos Estados Unidos, México e Canadá, a presença de Cristiano Ronaldo em sua sexta Copa do Mundo gera expectativa. Caso Portugal confirme a classificação e o astro chegue disponível a junho de 2026, ele quebrará mais um recorde: ninguém disputou seis Copas do Mundo na história do futebol. Outros nomes ainda na ativa podem alcançar o mesmo feito: o argentino Messi e os mexicanos Ochoa e Guardado.
– A questão é que nenhum outro centroavante português se firmou na seleção, a ponto de tirar Ronaldo do time. Gonçalo Ramos, por exemplo, que deixou CR7 no banco durante a Copa, não conseguiu se firmar como atacante de ponta no PSG. Então, enquanto Cristiano Ronaldo estiver bem fisicamente e entregando os gols, além, claro, da grande liderança que exerce, ele vai permanecendo. Mas, até pelos grandes jogadores que a seleção tem, não há mais uma dependência dele ou uma maneira de o time jogar apenas em função dele, como foi durante bastante tempo. E assim ele chegará até a Copa, muito possivelmente entre os titulares – projeta Pedro Moreno.
*Globo Esportes