O ex-presidente Jair Bolsonaro afirmou durante o intervalo da sessão de depoimentos dos réus da trama golpista no Supremo Tribunal Federal (STF) que não faz preparação pensando na hipótese de ser preso, pois, segundo ele, não existem motivos para condená-lo.
— Eu não tenho preparação para nada, não tem por que me condenar. Estou com a consciência tranquila. Quando falaram o tempo todo, “assinar o decreto…”. Não é assinar decreto, pessoal. Assinar um decreto de (estado de) defesa ou de sítio, o primeiro passo é convocar os conselhos da República e de Defesa. Não foi feito — disse Bolsonaro.
O ex-presidente também afirmou que não tem “problemas” com o tenente-coronel Mauro Cid, que em depoimento nesta segunda-feira reiterou o conteúdo da sua delação premiada e disse que Bolsonaro recebeu, leu e fez alterações em uma minuta golpista. O ex-presidente classificou como “bravata” as falas de seu ex-auxiliar.
— De certa forma, ele (Jair Bolsonaro) enxugou o documento, retirando as autoridades das prisões. Somente o senhor (Alexandre de Moraes) ficaria como preso — disse Cid, que foi cumprimentado por Bolsonaro antes do início da audiência.
O ex-ajudante de ordens afirmou ainda que o ex-comandante da Marinha Almir Garnier deixou as tropas da Força “à disposição”.
Ao ser questionado pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, Cid disse ainda que Garnier deixou as tropas da Marinha “à disposição”. O tenente-coronel acrescentou ainda que “presenciou” a trama golpista no governo, mas negou que tenha participado das ações que estão em julgamento na Corte.
— Eu presenciei grande parte dos fatos, mas não participei deles — disse Cid.
Moraes começou o depoimento tratando de questionamentos à delação premiada, que foi criticada pelas defesas de outros réus em função de supostas omissões. Em áudio divulgado pela revista Veja em março do ano passado, Cid conversa com um interlocutor, faz críticas a Moraes e diz que foi pressionado pela Polícia Federal a relatar determinados fatos. Cid disse que se tratava de um desabafo e reiterou que todas as informações que prestou à investigação são verdadeiras. Ela também negou ter sofrido coação.
— Era um desabafo que eu estava fazendo. Vendo minha carreira desbando, o que gerou uma crise psicológica muito grande, o que levou a um desabafo naquele momento ruim — disse Cid.
Moraes enfatizou que Cid prestou quatro depoimentos no inquérito da trama golpista. A declaração visa rebater a argumentação das defesas de Bolsonaro e Braga Netto, segundo a qual Cid teria dado diferentes versões à PF e não teria credibilidade como delator.
Cid listou ainda os “grupos” que incentivariam Bolsonaro a levar adiante a ofensiva golpista. Segundo ele, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier ser um integrante da ala “radical”, enquanto os ex-ministros Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto seriam mais “moderados”. O tenente-coronel, no entanto, fez uma ponderação:
— Só para não ser injusto e às vezes ficar uma ideia errada: independentemente do que os militares pudessem falar, não significaria que eles iriam fazer. (…) Dentro do círculo de legalidade das Forças Armadas, dificilmente sem uma ordem do comandante esse círculo da legalidade seria rompido.
Série de depoimentos
O STF iniciou nesta segunda-feira a etapa de interrogatórios dos réus da trama golpista. Os depoimentos são conduzidos pelo relator da ação penal, ministro Alexandre de Moraes. O primeiro a falar é Cid, que foi ajudante de ordens de Bolsonaro. Além de Moraes, o ministro Luiz Fux, integrante da Primeira Turma, também está presente e fará perguntas.
Os interrogatórios ocorrem na sala da Primeira Turma do STF, e todos os réus participam presencialmente, com exceção do ex-ministro Walter Braga Netto, que está preso preventivamente, no Rio de Janeiro, e por isso acompanha por videoconferência.
Durante a sessão, Moraes ocupa a cadeira da presidência da Primeira Turma. Os réus estão lado a lado, acompanhados dos advogados. Quando um interrogado é chamado, o acusado senta em uma mesa localizada à frente dos demais.
Serão interrogados os oitos réus do primeiro núcleo da trama golpista. Além de Cid e Braga Netto, fazem parte do grupo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), os ex-ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Anderson Torres (Justiça) e Paulo Sério Nogueira (Defesa), o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) e o tenente-coronel Mauro Cid .
Os depoimentos estão marcados para ocorrer durante todos os dias desta semana. Caso haja necessidade, podem continuar na próxima semana.
Cid é o primeiro a falar por ter feito um acordo de delação premiada. Como o conteúdo de sua fala pode ser utilizada na acusação contra os demais réus, a legislação determina que o delator seja ouvido primeiro, para que os outros saibam o conteúdo.
Depois, a ordem seguida é a alfabética: Alexandre Ramagem, Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno, Jair Bolsonaro, Paulo Sérgio Nogueira e Walter Braga Netto.
Em cada interrogatório, o primeiro a fazer perguntas é o ministro Alexandre de Moraes, seguido pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Depois, a defesa do próprio réu faz questionamentos. Os advogados dos demais réus também podem elaborar perguntas, seguindo a ordem alfabética.
Todos os réus podem optar por ficar em silêncio e essa decisão não pode ser utilizada para prejudicar eles. O réu também pode escolher responder algumas perguntas e outras não, ou responder somente os questionamentos elaborados pelo seu advogado.
Os oito alvos são réus por cinco crimes: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, envolvimento em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
*Portal Mais Goiás