O número de medidas protetivas de urgência negadas pela Justiça em Goiás deu um salto alarmante nos últimos cinco anos. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as recusas passaram de apenas sete, em 2020, para 1,8 mil em 2024.
Embora a maioria dos pedidos ainda seja aceita, o índice de negativas saltou de 4%, em 2023, para 7% neste ano, mesmo com o avanço na digitalização do Judiciário e na celeridade dos processos. As negativas preocupam quem atua na defesa de mulheres em situação de vulnerabilidade.
A coordenadora do Núcleo Especializado de Defesa e Promoção dos Direitos da Mulher (Nudem) da Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO), Mirela Cavichioli, explicou ao jornal O Popular que muitos juízes deixam de reconhecer situações como violência de gênero, sobretudo quando não envolvem relações conjugais.
“São casos com colegas de trabalho, parentes, ou até mulheres como agressoras. Como essas situações fogem do estereótipo da violência doméstica tradicional, muitos magistrados acabam indeferindo os pedidos”, afirmou.
Ainda de acordo com a defensora, a Lei Maria da Penha não restringe o conceito de violência doméstica ao ambiente matrimonial. “Ela prevê relações de afeto e de convivência, inclusive entre parentes. Mesmo assim, vemos negativas em situações que se enquadrariam perfeitamente na lei”, pontuou.
Segundo ela, após recursos, é comum que as medidas sejam concedidas em segunda instância. Esse foi o caso da deputada federal Marussa Boldrin (MDB), que teve o pedido de medida protetiva negado em primeira instância após denunciar o ex-marido, o advogado Sinomar Júnior, por agressões físicas e psicológicas.
A decisão do juiz Marcelo Andres Tocci, do Distrito Federal, foi baseada em versões divergentes do casal e na ausência de confirmação visual das lesões pela polícia. “Na hora que eu mais precisei e tive coragem [de denunciar], aconteceu isso”, desabafou a parlamentar ao jornal O Popular. A decisão foi revertida cinco dias depois, com o desembargador Esdras Neves determinando o afastamento do agressor e outras restrições.
Em Goiás, apenas nos três primeiros meses de 2024, 534 medidas foram negadas, enquanto 6,7 mil foram concedidas. Outras 2,5 mil foram revogadas — o que pode ocorrer a pedido da própria vítima — e 2,9 mil prorrogadas, totalizando 12,7 mil medidas processadas. Ao todo, o estado já soma 45,5 mil medidas protetivas neste ano, contra 14,5 mil registradas em 2020.
Para a delegada Ana Elisa Martins, da Delegacia Estadual de Atendimento Especializado à Mulher (Deaem), o crescimento no número de medidas concedidas reflete um maior número de denúncias. A média atual é de 15 pedidos por dia. “Hoje, as mulheres denunciam mais. Isso é resultado de um trabalho de conscientização e da ampliação da rede de proteção”, afirma.
Do lado do Judiciário, o juiz auxiliar da presidência do Tribunal de Justiça de Goiás, Reinaldo de Oliveira Dutra, diz que os dados mais recentes são mais precisos por conta da digitalização dos processos. Segundo ele, é possível recorrer das negativas e há casos em que o próprio Ministério Público, após diligência, consegue reverter a decisão na primeira instância.
O Ministério Público de Goiás, por meio do Núcleo de Assessoramento Temático (NAT) de Violência Doméstica, afirma que parte do aumento das negativas pode estar relacionado à exigência de documentação mínima nos pedidos. Antes, os processos com instrução insuficiente retornavam à autoridade policial ou ao MP. Agora, os pedidos são indeferidos de imediato. Ainda assim, segundo o promotor Leandro Koiti Murata, a reentrada do pedido com os documentos necessários é uma prática comum e, geralmente, rápida.
Membro da Comissão da Mulher Advogada da OAB-GO, a advogada Laura Landin lembra que as medidas podem ser requeridas por delegados, promotores ou pela própria vítima. “O risco à integridade física, emocional ou patrimonial da mulher já é suficiente para justificar a proteção. A palavra da vítima tem peso, mas provas como prints de mensagens e relatos de testemunhas ajudam a fortalecer o pedido”, explica.
Apesar das negativas, o tempo médio para concessão de medidas tem diminuído: de 11 dias, em 2020, para apenas dois em 2024. A advogada destaca, no entanto, que essa agilidade ainda é desigual. “Em regiões onde há Delegacia da Mulher, a resposta é mais rápida. Já onde o atendimento é feito por delegacias comuns, o processo pode demorar mais”, conclui.
*Poder Goiás