Diante dos desafios globais de produzir alimentos sem comprometer o meio ambiente, o Cerrado brasileiro começa a ganhar destaque como território de soluções. É nesse cenário que surgem os sistemas agrocerratenses, também chamados de SACE (Sistema Agrocerratense), uma proposta que alia restauração ecológica, produção sustentável e valorização de comunidades locais.
Inspirado nas formações savânicas e campestres típicas do Cerrado, o SACE propõe uma forma de produzir a partir da lógica do próprio bioma, respeitando suas características naturais. Em vez de desmatar para implantar monoculturas, como ocorre na agricultura convencional, o sistema recupera áreas degradadas utilizando espécies nativas e promovendo o equilíbrio ecológico.
Agricultores familiares são os principais responsáveis pela implementação desses sistemas. Com conhecimento sobre o bioma, manejam a terra com equilíbrio entre uso e conservação, cultivando alimentos e, ao mesmo tempo, garantindo a regeneração ecológica das áreas.
É o que afirma a coordenadora do Núcleo de Restauração da Rede de Sementes do Cerrado (RSC) e supervisora de restauração do projeto Sementes do Cerrado, Maria Eduarda Moreira, ao destacar que os sistemas agrocerratenses mesclam saber técnico e conhecimento tradicional. “É um modelo que alia a restauração ecológica de áreas savânicas com o cultivo de hortaliças, plantas frutíferas e medicinais que têm valor cultural e econômico para a comunidade. Mais do que plantar árvores e capins, trata-se de cultivar pertencimento, memória e autonomia”, ressalta.
A experiência dos coletores de sementes e restauradores que integram a Associação de Produtores Agroecológicos do Alto São Bartolomeu (Aprospera), no Assentamento Oziel Alves III, localizado no Distrito Federal, é um exemplo dessa iniciativa. Com o apoio do projeto Sementes do Cerrado:
Caminhos para o fortalecimento da cadeia de restauração ecológica inclusiva nos corredores da biodiversidade, agricultores familiares decidiram que a restauração dos seis hectares do território deveria responder às suas necessidades reais: recuperar o Cerrado, mas também garantir alimento, renda e autonomia. Essa construção coletiva resultou na escolha dos SACE como caminho para a restauração produtiva.
“A demanda veio deles. Eles já produzem e fornecem alimentos para programas como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) e o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), além das cestas de CSAs (Comunidade que Sustenta a Agricultura). Então, propor uma restauração que também gere produção é atender a uma realidade e urgência do território”, acrescenta Maria Eduarda Moreira.
Técnico da Aprospera, o agrônomo Vinícius Santos Lima explica que o SACE se diferencia por ser adaptado às condições reais do Cerrado. “É um sistema que respeita a paisagem original, com vegetações abertas, compostas por espécies herbáceas e arbustivas. Isso favorece o retorno da fauna típica do bioma, como o lobo-guará, a ema e a seriema, e mantém funções vitais como a ciclagem de nutrientes e a recarga hídrica”, explica.
A técnica vai além da restauração ambiental. O SACE contribui para a segurança alimentar, fortalece as economias locais e promove autonomia para quem vive no campo, criando oportunidades de renda e fortalecendo a agrobiodiversidade. “É uma forma de reconhecer o valor das plantas e dos saberes do Cerrado, que historicamente foram invisibilizados. Esses sistemas são moldados pela realidade de cada comunidade, respeitando os ciclos da natureza e os modos de vida tradicionais”, completa Vinícius Lima.
Resultados do SACE
Experiências bem-sucedidas já estão em andamento no Distrito Federal, em Goiás, no norte de Minas Gerais e em Mato Grosso, com destaque para unidades demonstrativas implantadas pelo Núcleo de Estudos em Agroecologia (NEA) Candombá, do Instituto Federal de Brasília (IFB). Os resultados mostram avanços na restauração ecológica e no fortalecimento da identidade cultural das comunidades envolvidas.
“Para os próximos anos, a expectativa é que os SACEs ganhem escala, apoiados por redes colaborativas, articulação política e investimento público e privado. A proposta é fazer do Cerrado um território onde se planta futuro sem apagar o passado, com o bioma vivo, produtivo e valorizado por quem o conhece e o protege”, conclui Vinícius Lima.
Sementes do Cerrado
É justamente essa realidade que o projeto Sementes do Cerrado busca fortalecer. Executado pela RSC, o projeto visa restaurar 200 hectares com espécies nativas do bioma, promovendo a inclusão produtiva por meio da cadeia das sementes e da mobilização comunitária. A iniciativa irá implementar uma Unidade Demonstrativa de SACE no Assentamento Oziel III, onde seis hectares serão restaurados com foco na geração de renda, soberania alimentar e conservação.
Vale destacar que o projeto é financiado pelo Edital Corredores da Biodiversidade da Iniciativa Floresta Viva, promovida pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A iniciativa tem como objetivo apoiar projetos de restauração ecológica em diferentes biomas brasileiros, contando com o apoio da Petrobras e do FUNBIO como parceiro gestor.